O SILÊNCIO SAGRADO
NÓS FOMOS
Silêncio guardado por paredes impenetráveis e histórias de
Por Arucha Fernandes
No alto do morro o barulho dos automóveis já não fere mais meus ouvidos e as nuvens que antes deixavam o domingo cinzento e preguiçoso, agora se mesclam perfeitamente com a nostalgia transmitida pelo local. Estamos no Morro do São Bento, que em meados de 1650 ainda tinha o nome de Morro de Nossa Senhora do Desterro. E foi neste mesmo ano erguido o Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro da Ordem de São Bento.
O mosteiro foi construído pelos freis beneditinos em forma de forte para evitar ataques de piratas. O prédio foi erguido com areia, pedra, sambaqui (restos de ostras e mariscos) e óleo de baleia. A importância histórica do mosteiro foi reconhecida em 1968, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) junto a Cúria Diocesana. Em julho de 1981 na mesma edificação foi instalado o Museu de Arte Sacra de Santos.
Em reportagem especial para esta editoria, nós, da equipe da Parada Certa, visitamos o local, que guarda um acervo valioso para história da cidade. Como combinado nos encontramos em frente da escadaria de acesso ao Museu, por volta das 15 horas. Na equipe, os repórteres Aline Porfírio, Alexandre Alves, Maurílio Carvalho, o editor multimídia Gabriel Martins, os editores de planejamento visual e diagramação Ivan Stefano e Danilo Neto, e eu, editora-chefe.
A subida é feita sem dificuldades, apesar dos lances de escada um pouco cansativos. Do alto é possível enxergar parte do Porto de Santos, e do outro lado, apenas casas morro acima. A primeira vista, um jardim com flores amarelas indica o caminho até a entrada principal. A arquitetura antiga está totalmente preservada com edificações retangulares que apresentam três janelas azuis, com grades. Acima três arcos, além de uma torre onde é possível ver duas aberturas que guardam os sinos.
Na recepção é preciso que os visitantes se identifiquem por meio do número do RG e nome completo, além do pagamento de R$ 5 reais (vale meia entrada para estudantes e idosos acima de 65 anos). A única decepção é o fato de não ser permitido o registro de fotos dentro do Museu, sob a alegação de preservação do acervo. Para melhor entender a história, o passeio é conduzido por uma monitora.
A nossa mini expedição começa pelo claustro, uma área aberta de circulação e lazer. Localizado no centro da construção, o chão agora coberto por concreto já abrigou uma horta. Os antigos moradores, os beneditinos, costumavam plantar o alimento que consumiam. Uma grande sala na frente com pouca iluminação cria uma atmosfera mística e até um pouco intimidadora. Espalhadas estão imagens de vários santos, todos de terracota e madeira policromada que datam do século XVI ao XVIII. Dentro de caixas de vidro estão as imagens de Santo Amaro, São Bento, São Paulo Apostolo, São João Evangelista, Nossa Senhora do Rosário e Santana Mestra. Um fato curioso é que está última possui duas representações em sua homenagem, na primeira está sentada, e na outra, de pé.
Além dessas, existem mais duas imagens consideradas as mais preciosas, por serem as mais antigas, do século XV. São elas, Nossa Senhora da Conceição e Santa Catarina de Alexandria, esta inclusive esteve por mais de 70 anos perdida no fundo do mar. Em seguida, podemos ver a sacristia, o único lugar que ainda está “ativo”. Lá, as batinas usadas pelo padre que reza as missas na capela ao lado se misturam com outras relíquias e utensílios cerimoniais.
Mais à frente, uma sala reservada com dois quadros de Benedicto Calixto, a Santa Ceia, do século XX e Cristo do horto, de XIX. Há também a Santa Ceia, do pintor Gentil Garcez. Calixto nasceu em Itanhaém com um talento nato para a pintura era considerado um dos grandes artistas paulistas do século XX. Ainda jovem mudou-se para Santos e depois São Vicente. A arte do pintor também pode ser apreciada no corredor central. Todos os quadros são de pintura a óleo e estão conservados em ótimas condições.
Um dos aspectos que mais me chamou a atenção foi o silêncio. Não que eu esperasse música ou pessoas falando sem parar, afinal é um lugar estruturado para apreciação das artes e aprendizado da história. Mas o silêncio soa diferente naquelas salas. Como se realmente estivéssemos enclausurados naquele que um dia foi mosteiro.
“Sanctifica eos in veritate”
Na próxima sala, essa frase em latim escrita em uma placa, indica a Cátedra do Bispo de Santos. Bem ao lado, o bacro que é uma espécie de cajado usado pelo religioso. Podemos observar também as conversadeiras em baixo das janelas, uma espécie de banco de concreto que servia para conversas informais.
Em outro cômodo está representada a cela dos beneditinos. Esses quartos têm uma estrutura simples e pouca mobília, apenas uma cama e uma mesa com cadeira. Na sala ao lado encontram-se imagens feitas de madeira policromada de Nossa Senhora das Dores, Senhor Morto e o Senhor Bom Jesus. Estas eram usadas em procissões e permanecem intactas. Toda a riqueza de detalhes destas imagens chega a causar um arrepio na espinha. Isso porque os olhos são feitos de vidro, o que resulta na impressão de que elas estão olhando diretamente para você.
O último espaço abrigava naquele momento a exposição Urbanas na América Latina - Almas Nuas, do artista colombiano Gonzalo Fonseca Torres. Os quadros ficaram expostos até o dia 23 de novembro. Esta é a primeira mostra trazida para o Museu, a ideia é continuar essa iniciativa com a exposição das obras de outros artistas modernos. Mas essa visita ainda guardava uma agradável surpresa. Por uma escada em forma de caracol chegamos a topo da torre. A escuridão logo é afastada com a abertura de uma janela e lá pude avistar os dois sinos.
Quem quiser estender o passeio pode ainda visitar a Capela de Nossa Senhora do Desterro, localizada ao lado do Museu. Todos os domingos são rezadas missas às 15h30, é só esperar o soar do sino que anuncia o inicio da celebração. Outro aspecto torna a pequena capela especial, ali estão enterrados duas importantes figuras da história da região. A inscrição da frase “Paz a sua alma e honra a sua memória” indica a sepultura de Frei Gaspar da Madre de Deus, morto em 1800. Além dele, o Frei Manoel de Santa Gertrudes Lustosa, sepultado em 1754. Essa prática era comum antigamente, dentro das igrejas e capelas ficavam os chamados campos sagrados onde eram enterrados não só religiosos, mas também pessoas da comunidade em geral.
Quer Conhecer?
Rua Santa Joana D’Arc, 795 – Morro São Bento
Funciona de terça a domingo, das 11 às 17 horas. (13) 3219-1111
Missa todos os domingos, às 15h30.