MATÉRIA DA PRINCIPAL- DE PAI PARA FILHO
Centenária a Hidrelétrica de Itatinga fornece energia para o maior porto da America Latina. Na vila de trabalhadores formada ao redor da usina histórias de várias gerações de famílias
Por Danilo Netto
O centenário foi celebrado em uma festa na Vila de Itatinga com mais de mil pessoas. Os olhos cheios de lágrimas de muitos dos que foram à vila evidenciam que a emoção não é à toa. São lembranças de tempos passados que vêm à mente de cada um.
A CODESP convidou antigos e atuais funcionários da usina e seus familiares. A festa contou com visita a toda vila, queima de fogos, churrasco, bebidas e um bolo gigante para os parabéns do centenário da hidrelétrica.
Além de moradores, autoridades participaram da festa de Itatinga. Estiveram presentes o prefeito de Bertioga, Mauro Orlandini, o secretário de Infraestrutura de Guarujá, Duíno Fernandes e vereadores. O deputado estadual Bruno Covas também participou. A Codesp foi representada pelos diretores Carlos Kopittke e Renato Barco. Eles afirmaram que a intenção da estatal é otimizar a geração de energia e preservar a vila.
Um passeio inesquecível
Localizada na altura do quilometro 224 da rodovia Rio-Santos. Do outro lado da margem, a Vila de Itatinga parece parada no tempo, cercada por uma imensidão verde que vai até onde os olhos podem enxergar.
Nosso acompanhante para esse incrível passeio é José Alberto Alves Netto, mais conhecido na região como Mim, 51 anos, filho de um falecido funcionário da usina. Ele, que passou a infância e adolescência no local nos conta que todos se conheciam, era uma comunidade que se ajudava. “Era uma grande família. Entre a Serra, a Vila e fazenda, havia cerca de 420 moradores, entre crianças e adultos. Víamos as pessoas crescer, casar, formar suas famílias. Parecia vida de cinema, era mágico”, relembra Netto.
A travessia de barco pelo rio Itapanhau dura tão pouco que nem dá tempo de apreciar toda a beleza da natureza. Quando chegamos do outro lado da margem nos deparamos com um trator, substituto da locomotiva, que puxa os vagões para levar turistas e os funcionários da hidrelétrica até a vila.
Nesse momento, percebemos o que o antigo morador falou. Mesmo depois de vários anos, ele mal sentou no vagão e reconheceu dois amigos de infância e o guarda do local é o mesmo de anos atrás.
Em um trajeto de oito quilômetros de extensão que dura em media vinte minutos, os antigos amigos não pararam de recordar casos que aconteceram na infância. Esse tempo de trem passa despercebido, perante a mistura de belezas construídas pelo homem e natureza como casas históricas, ruínas de igreja, rios, pontes e a diversidade da fauna e flora do local.
Assim que o trem aponta na reta da vila já podemos perceber a história preservada no local, como as casas no estilo vitoriano. Mais adiante vemos as peças antigas da usina e a maria fumaça que está desativada há seis anos em exposição. Locomotiva que por sinal é mais antiga que a própria hidrelétrica (1906).
Chegando a vila, há três pontos de parada: em frente à padaria, fácil, única no local, na igreja e, a ultima parada, na parte lateral da usina, apenas para funcionários.
Descemos no primeiro ponto, em frente à padaria. “Mudou muita coisa”, disse nosso acompanhante. “As casas estão em bom estado, porém viraram alojamentos. Com o crescimento das cidades vizinhas os moradores se mudaram, atualmente só moram alguns funcionários, outros vêm de ônibus até a margem do rio, perdeu aquele encanto familiar”.
Quando começamos a andar pela vila, Netto começou a comentar as mudanças que ocorreram. Com o fácil acesso à cidade, a escola perdeu alunos, pois todos passaram a estudar em Bertioga. Por isso, a escolinha virou um centro de treinamento onde acontecem reuniões e palestras de estudo. O cinema virou um anfiteatro, para qualquer atividade ou evento que ajude a comunidade local. A igreja é mantida pelas pessoas do local.
Já o Itatinga Atlético Clube é uma historia à parte na vida do nosso acompanhante. Seu pai marcou história no clube jogando durante anos. Para seguir a brilhantismo do pai começou a jogar quinze anos no time de juniores, porém jogava no gol. Não demorou muito tempo para ir ao profissional, jogou no clube ate seus trinta anos, ganhou diversos títulos, ficou marcado na memória dos moradores da vila. Tanto que tem um espaço reservado na parede da sala de troféus do clube.
Algumas das fotos na sala e troféu estão envelhecidas, por isso o clube deu uma recauchutada nelas e logo estarão disponíveis ao público. Alves não vê a hora de ver essas relíquias. Motivo? Seu falecido pai está em uma delas, fazendo parte do que dizem ser o melhor time do Itatinga Atlético Clube de todos os tempos.
“Não vejo a hora de ver essas fotos. Claro que já as vi, mas quando estavam envelhecidas, não dava para notar os detalhes daquele time que os mais antigos comentam. Meu maior prazer vai ver a foto do meu pai, ao lado da minha na história não só do clube, mas da vila”, diz, emocionado.
Na volta da vila, Netto me convenceu a irmos a pé os oito quilômetros de volta até a margem para pegarmos o barco, aproveitando a natureza e os detalhes escondidos, os quais de bonde não se vê. “A pé conseguimos ver detalhes das pontes, a data de construção que fica abaixo delas, os pássaros da região, a diversidade da flora, como bananais, bicos de papagaios, palmito e muito mais”. Dessa forma que ele me convenceu. Não é exagero, é realmente fantástico o caminho pelos trilhos, mas cansativo, precisa de um bom preparo físico.
Quando pegamos o barco para voltar à urbanização, percebo um olhar de satisfação em ter a minha companhia nessa viagem no passado, juntando o passado, presente e futuro.
Para mim foi uma satisfação maior ainda. Por quê? Percebi cada detalhe dessa história, mas o principal foi passar o dia em um local fantástico com esse antigo morador que uns chamam de Alberto, outros de Mim, eu simplesmente chamo de pai.